Política, magia e homens-vapor
A história se passa na Terra, mas muitos séculos no futuro. Os continentes e países mudaram de posição, e agora a Inglaterra é ligada ao continente e é chamada de Chacália. Robôs com crenças religiosas (que acreditam profundamente nos espíritos dos antepassados - os Loas - e são chamados de homens-vapor) e cantores do mundo (magos que buscam energias nas forças da terra) convivem juntos numa sociedade extremamente política. Chacália está em guerra contra Quatérnuno, reino vizinho onde vigora a Comunidade de Partilha Comum, sistema político em que cada cidadão partilha em pé de igualdade os bens e a riqueza do país. Uma ameça real à Chacália são os carlistas, grupo de pessoas que querem instituir a comunidade de partilha comum. Chacália tem uma família real, com um rei que tem os braços cortados assim que assume o trono, para "nunca mais levantar o braço contra a população". Quem comanda mesmo é o Conselho dos Guardiões, o qual, por sua vez, é vigiado pela Corte do Ar, organização secreta que existe acima das nuvens e agem em prol do povo, vigiando a situação política do reino.
Acompanhamos dois jovens órfãos: Oliver Brooks, que tem poderes desde que o balão de seus pais caiu na Brumaencantada (basta um pequeno contato com ela para infectar as pessoas com poderes psíquicos e levá-las à loucura, Oliver, entretanto, viveu anos do lado de lá) e se vê acusado da morte de seu tio, seu único parente, e é obrigado a fugir com um suspeito representante da corte do ar; e Molly Templar, que testemunha um assassinato no bordel onde foi colocada como aprendiz, e ao voltar ao orfanato onde vive, descobre que todos estão mortos e que o alvo do assassino era, na verdade, ela. Oliver e Molly fogem meio livro, enquanto somos bombardeados com terminologias estranhas criadas pelo autor e capítulos e mais capítulos de tramoias e mais tramoias políticas.
Como ponto positivo, são muito interessantes as críticas feitas aos sistemas políticos, que permeiam toda a obra. A simbologia do rei ter os braços cortados para não ferir o povo, embora óbvia, foi uma boa sacada. O sistema de debates resolvido literalmente nas lutas também. O leitor é levado pela curiosidade para descobrir porque estão perseguindo Molly, enquanto acompanha o desenrolar das tramóias incessantes dos que estão no poder (incluindo a morte "acidental" de milhares de pessoas que, coincidentemente, serve de mote para que alguns atinjam seus objetivos) e segue a fuga de Oliver.
" De repente aparece alguém com uma grande ideia: pode ser religiosa, política, racial, antropológica, filosófica, econômica, sexual ou pura e simplesmente a quantidade de guinéus que você tem guardados no seu maldito escritório. Pouco importa, porque a grande ideia vai sempre dar no mesmo: não seria bom se todo mundo fosse igual a mim? Se todo mundo pensasse, agisse e louvasse como eu, se fosse parecido comigo, tudo seria como um verdadeiro paraíso na Terra. No entanto, as pessoas são diferentes, muito diferentes entre si para concordarem numa única forma de agir, pensar ou vestir. E é aí que os problemas começam. Quando batem à sua porta para fazer desaparecer aqueles que não são iguais a eles. Frustrados pela falta de progresso, pela sua estupidez e pela impertinência dos que não apreciam a perfeição da grande ideia tanto quanto eles, começam a limar o que consideram errado com facas, torturas, homens-machados e Colares de Gideon. Quando se distingue qualquer coisa de diferente numa pessoa e você e eles apenas conseguem ver algo de mau nisso, então os outros se tornam peças de caça. Deixam de ser pessoas para passarem a ser obstáculos para o bem maior".pág 209
O livro é narrado em terceira pessoa e alterna capítulos com Molly, com Oliver, com tramoias dos guardiões, com a difícil vida da família real e com os acontecimentos da misteriosa corte do ar. Em suma, confunde. Teve momentos em que tive que voltar páginas para lembrar o que aconteceu com Molly, antes de ler o novo capítulo sobre ela.
Uma vez que o autor reconfigurou a disposição dos países, seria interessante que o livro tivesse um mapa, para facilitar a compreensão do mundo que ele criou. Senti falta disso. Não ficou muito claro onde fica Mecância, o Estado-Livre dos Homens-Vapor, por exemplo. A abundância de termos que ele criou também não ajuda. Ele não os explica ao longo da leitura. Mesmo o Glossário, no fim, não ajuda tanto, uma vez que há palavras que não constam nele.
Uma vez que o autor reconfigurou a disposição dos países, seria interessante que o livro tivesse um mapa, para facilitar a compreensão do mundo que ele criou. Senti falta disso. Não ficou muito claro onde fica Mecância, o Estado-Livre dos Homens-Vapor, por exemplo. A abundância de termos que ele criou também não ajuda. Ele não os explica ao longo da leitura. Mesmo o Glossário, no fim, não ajuda tanto, uma vez que há palavras que não constam nele.
Outro ponto que me incomodou um pouco foi a abundância de analogias com o mundo real. Suponho que tenham sido intencionais, mas ainda assim, fiquei um tanto incomodada. O muro que separa Quatérnuno de Chacália (o qual a população miserável de Quatérnuno tenta desesperadamente atravessar) lembra claramente o Muro de Berlim. O conselho de guardiões é o Parlamento, tendo inclusive um Primeiro Guardião fazendo as vezes de Primeiro Ministro. Os carlistas (oi, Karl Marx) e a comunidade de partilha comum são equivalentes ao comunismo. Uma família real ilustrativa recorda alguma coisa?
A Corte do Ar não é um livro ruim, mas é uma leitura um pouco mais difícil do que estamos acostumados. É preciso ter paciência e tempo, para assimilar realmente o que o autor queria contar. Não dá pra ler de uma vez, com rapidez. É preciso ir lendo aos poucos, assimilando, refletindo, afiando seu senso crítico. Mas, no fim, vale a pena.
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