O Oceano no Fim do Caminho

Um homem volta a cidade onde passou a infância para um funeral, onde, após dizer as palavras de pesar que lhe cabia, teria de falar com pessoas que não encontrava há anos, distribuir apertos de mãos a torto e a direito e beber xícaras e mais xícaras de chá na mais fina porcelana. Antes disso, porém, ao tomar o caminho para a fazenda no fim da estrada, se vê tomado por reminiscências infantis e, em frente ao lago que sua amiga Lettie Hempstock insistia em dizer que era um oceano, mergulha de volta aos seus sete anos de idade. Tudo começou quando ele foi procurar sua mais nova edição de SMASH!, que estava no carro de seu pai. Mas o carro não estava onde deveria estar. Foi encontrado no fim da estrada que dava na fazenda, roubado pelo homem que tirara a própria vida e repousava nos braços da morte – bem em cima da sua revistinha SMASH!. O suicídio despertou algo há muito adormecido. E quando coisas estranhas e ruins começam a acontecer, o jovem de sete anos conta apenas Lettie, que tem 11 anos há milhares de anos, para ajudá-lo.
O Oceano no Fim do Caminho, ansiosamente esperado pelos fãs após Neil Gaiman ter passado oito anos sem escrever nada para o público adulto surgiu por acaso. Era pra ter sido um conto para a sortuda esposa do escritor, Amanda Palmer (vocalista da banda The Dresden Dolls), que estava na Austrália, longe de Neil, para gravar seu novo álbum. Quando o britânico se deu conta, tinha um romance inteiro em mãos. Para mais completa alegria de seus fãs.
Peguei O Oceano no Fim do Caminho, lançado aqui no Brasil pela Editora Intrínseca (que, gentilmente, me presenteou com um exemplar), repleta de expectativa. Sempre fui muito fã de Neil Gaiman, daquelas que apresenta ele a todos os seus amigos e sente até vontade de criar novos adjetivos positivos quando lhe pedem para falar sobre ele. Esperava muito de sua nova obra. Muito mesmo. Níveis de expectativas altíssimos. Isso, geralmente, implica em decepção. Mas Neil Gaiman é Neil Gaiman. Em outras palavras: não me decepcionei. Nem um pouquinho.

O Oceano no Fim do Caminho é descrita, na orelha, como uma fábula emocionante, assustadora e melancólica. A descrição não podia ser mais acertada. Eu poria mais ênfase no emocionante e melancólica, embora o assustador também tenha seu papel na história. O livro é curto – cerca de 200 páginas – podendo ser lido todo de uma vez. A verdade é que o leitor fica tão envolvido pelo que está lendo que não consegue parar de ler. A narrativa é contada sob os olhos de um menino de sete anos, um menino inteligente, solitário e amante de livros, que tem uma maneira própria – e até ingênua – de ver as coisas.
Gaiman emprestou muito de si para o personagem – como o amor pelos livros, pelas revistinhas SMASH!, pelas obras de C. S. Lewis – e inseriu passagens de sua própria infância. O livro não tem a ironia refinada marcante em muitas obras do autor, mas as capacidades de envolver o leitor e de contar uma história que prende irrevogavelmente a atenção de quem está lendo continuam presentes. Mais que um escritor, Neil Gaiman é um contador de histórias. E isso, como comprova O Oceano no Fim do Caminho, é algo que o britânico sabe fazer muito bem.
O livro tem um tom melancólico, nostálgico, por vezes reflexivo, embalado pelas reminiscências de uma infância marcada por algo tão extraordinário que nem parece real. Acompanhamos um adulto revisitando sua infância mágica, conhecendo, a medida que ele vai se recordando, acontecimentos que ajudaram a moldar o homem que é hoje. É uma leitura gostosa, rápida e encantadora, que merece ser saboreada, palavra por palavra.
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