Entre as páginas de um romance
Procurava um romance qualquer, para aliviar a melancolia dos seus dias cinzentos. Não queria algo que a fizesse pensar. Só queria sentir. Sentir a emoção de outros, rir e chorar com uma história que não a sua, se afundar nos pensamentos de outra pessoa, esquecer de si e emergir em outrem. Porque não queria pensar em si mesma. No que sentia, no que queria, no que desejava. Só lhe causaria mais dor, e já tivera sua cota de agonia do ano. Bastava.
Cantarolava uma música qualquer, tentando não recair nos refrões magoados de Adele. Não era forte o suficiente para desejar o melhor para ele*. Queria que eles se explodissem. Que tomassem veneno por engano e fossem desfilar sua irritante felicidade conjugal no inferno.
Deslizou os dedos pelos títulos, controlando a raiva que surgiu em seu peito ao pensar nos dois. Seu namorado e sua melhor amiga. Podia ser mais clichê? Respirou fundo, controlou as lágrimas. O coração começou a pulsar acelerado, e sentiu a respiração faltar, como naquele dia fatídico em que os encontrou embolados num canto escuro de uma festa para a qual não fora convidada. Fechou os olhos, sentindo as mãos frias, com o lábio inferior tremendo descontroladamente. Não. Aqui não. Não. Não. Não.
Não ouviu quando ele chamou seu nome pela primeira vez. Suspeitava que ele a tivesse chamado várias vezes, antes que as mãos masculinas envolvessem seus ombros pontudos. Abriu os olhos embaçados com receio, sem querer expor a desgraça que lhe ia pelo íntimo. Compreensão brilhava no fundo dos olhos negros, olhos meigos e gentis, tão magoados quanto os dela.
Desviou o olhar. Livrou os ombros do peso das mãos calosas, enquanto se encostava contra uma estante, lutando para recuperar o controle. Sabia que ele entendia o que estava passando, uma vez que também fora vítima nessa história toda. Mas não queria companhia pra chorar suas misérias. Muito menos a do ex-namorado da amiga. Queria ficar sozinha, queria...
Uma lágrima caiu pela face alva. Ele puxou-a para a calidez de seus braços, num abraço que dizia sem palavras que podia chorar o quanto quisesse. Rendeu-se. Envolveu seus braços ao redor da cintura dele, enquanto colocava pra fora toda a dor que reprimira nas últimas semanas. Os dedos dele deslizavam por entre seus cabelos, enquanto ela ensopava-lhe a camisa nova.
Vários minutos depois, as lágrimas secaram. Os soluços sentidos silenciaram e ela sentiu as faces queimarem de vergonha. Empurrou fracamente o firme peito masculino, enquanto sentia vontade de abrir um buraco e se enterrar nele. Ele a olhava fixamente, os olhos avaliando-a e devorando-a em sua intensidade.
Sabia que ela queria privacidade, que estava constrangida por ter chorado em seus braços. Mas não se afastou. Não conseguia deixar de olhá-la ou de querer estar perto dela. De querer cuidar dela, envolvê-la em seus braços e impedir qualquer um de magoá-la. Queria tirar aquela sombra triste dos olhos outrora radiantes. Queria o sorriso que iluminava todo um cômodo, a risada rouca que lhe dava arrepios de desejo.
Decidiu dar a ela outra coisa em que pensar, que não a traição de que foram vítimas. Pegou um livro qualquer e usou para cobrir-lhe os rostos, dando a privacidade que ela tão desesperadamente queria. Então, cedendo a um desejo puramente egoísta, inclinou a cabeça.
E beijou-a.
* Trecho de Someone Like You ("I wish nothing but the best for you too")
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