Um sorriso


Podia escrever um livro sobre seu meio-sorriso. Tão raro, tão intenso, tão incrível. Transformava-lhe todo o rosto já formoso por natureza. A deixava sem ar, tão potente que deveria ter seu uso regulado pelo governo. Vai ver que é por isso que eles eram tão raros. Adorava vê-lo sorrir. Naqueles poucos segundos, seus olhos já pequenos praticamente sumiam entre dobrinhas charmosas, a dor abandonando aquelas íris verde-mar. A nuvem negra do seu passado trágico se dissipava, deixando-o só e brilhante sob radiantes raios de sol.

Seus dedos ardiam por tocá-lo. Queria sentir a textura da sua pele, o calor do seu abraço, a doçura do seu beijo. Queria desarrumar seus cabelos, sentir a maciez dos fios em seus dedos, o roçar da barba por fazer no seu rosto. Queria-o tanto que até doía. Ardia por ele. Ansiava, queimava, se consumia. Era um querer constante, pulsante e avassalador. Temia seus abraços gentis, por medo de um dia não mais soltá-lo.

Sabia que não tinha espaço no coração dele. Não o espaço que queria. Sabia que ele só a via como uma espécie de irmãzinha responsável, de quem podia fizer pilheria e dar as mãos nos momentos de dificuldade. Nunca sentiria o peso dele sobre si, sua respiração quente se mesclando com a sua, o suor passando do corpo dele para o seu enquanto se tornavam um. Sempre seriam dois. Ou melhor, quatro. Porque os dois fantasmas que o assombravam não o largariam nunca.

Desviou a vista do sorriso charmoso e murmurou uma resposta qualquer, enquanto cedia-lhe espaço debaixo do seu guarda-chuva. Ergueu suas barreiras, amarrou seu coração numa camisa de força. Forçou-se a ser forte e ignorá-lo, mas sabia que acabaria se derretendo com o próximo sorriso que ele lhe desse. Sorte que eram raros. Ou já teria sucumbido, consumida pelos sentimentos que ardiam por ser expressados. 

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