Do livro mais querido do ano


Que eu sou fã de Orgulho e Preconceito, não é novidade (sou daquele tipo que termina a amizade se a pessoa não gostar de Orgulho e Preconceito. Ok, não é para tanto, mas quase). Geralmente vejo com - muita - desconfiança versões oriundas da obra (quis morrer quando vi que lançaram Cinquenta Tons do Sr. Darcy, e tenho plena convicção que NUNCA enquanto vida tiver lerei uma linha desse absurdo literário), mas, mesmo assim, me arrisquei sem pensar muito a ler As Sombras de Longbourn, da Jo Baker.

Vi algumas pessoas comentarem que o livro reconta Orgulho e Preconceito sob o ponto de vista dos criados, o que não procede. Muito além de recontar, ele dá vida a uma trama totalmente nova, que acontece sob os nossos narizes, quando lemos a estória de Lizzie e Mr. Darcy. Enquanto as irmãs Bennet estão cheias de expectativa para o baile em Netherfield, as criadas dos Bennet machucam as mãos lavando as roupas com lixívia, passam, engomam, saem na chuva para comprar ornamentos para os sapatos, queimam as mãos queimam as mãos com o ferro de fazer cachos no cabelo das moças, preparam o jantar, lavam pratos, amam, sofrem, cozinham, choram, se preocupam, vivem.

A autora nos apresenta a inocente Polly (que na verdade se chama Mary, mas não pode ter o mesmo nome que uma das filhas dos donos da casa), a obstinada Sarah, a conscienciosa Sra. Hill e seu marido, o qual adora fazer recontagens na adega e embriagar-se no processo. Assim como em O&P, cuja trama tem início com a chegada de um homem solteiro à região, a vida das personagens de As Sombras de Longbourn têm uma virada com a chegada deu um jovem solteiro, James Smith, novo criado dos Bennet.

Sarah, inconformada com a vida de criada, com o lavar, passar, cozinhar e limpar interminável, é uma personagem muito interessante, questionadora, curiosa, que espera mais da vida do que simplesmente aquilo. Pobre Sarah.

“Isto, ela refletiu, enquanto cruzava o pátio chuvoso e se dirigia à sentina, onde despejou o conteúdo do urinol na fossa, isto era seu dever, e ela não achava satisfação nenhuma nele. Aliás, era estranho que alguém julgasse isso possível. Lavou o urinol na bomba e deixou-o ali para tomar chuva. Se aquilo era o seu dever, ela desejava o de outra pessoa”.

Os demais personagens, principalmente James, são muito bem construídos e ilustram com perfeição como era difícil a vida dos menos favorecidos naquela época. Jo Baker tem uma sensibilidade extraordinária, a trama é muitíssimo bem escrita, envolve o leitor e o leva a um novo mundo, onde mexer tachos de lixívia e lavar as toalhinhas das moças da casa são atividades comuns. Na obra também se percebem críticas à sociedade da época e ao modo como os criados viviam e eram tratados.

Ao longo do livro, são feitos vários paralelos com a trama de O&P – assim como Jane, Sarah também fica doente; assim como Lizzie, rejeita uma proposta, etc – o que é bem interessante. É legal ver como os acontecimentos de O&P influenciam na vida dos criados, como algo trivial para os donos da casa por causar uma revolução na cozinha.

O livro é uma delícia, uma leitura extremamente rápida, maravilhosa. Tem bom ritmo e mesmo entre tantas lavagens de roupa, preparações de jantar e inúmeras tarefas para manter a casa dos Bennet num estado perfeito, não fica entediante. Leitura obrigatória, não só para os fãs de O&P, como para os que ainda não se apaixonaram pela obra de Austen.

Abaixo, minha quote favorita:

 "Quando ela era menina, faminta e ainda em crescimento, sempre que havia um pão de ló – que a Sra. Hill criava num passe de mágica, com ovos, farinha de trigo e manteiga cremosa, e depois polvilhava com açúcar -, Sarah não se permitia, nunca, sequer olhá-lo, pois sabia que não era para ela. [...] Até olhar para o pão de ló era uma agonia inominável.
E, por meses, ela agora se dava conta, James praticamente não olhara para ela".


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